terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Meios combinados de treinamento: uma nova visão na metodologia da preparação física


Forma de organização consiste em alternar ações motoras cíclicas, acíclicas e combinadas, os exercícios com ou sem sobrecarga, a velocidade de deslocamento e o sistema energético predominante
Juvenilson de Souza*
O futebol moderno apresenta uma série de mudanças na forma de jogar, dentre elas a necessidade de um melhor preparo físico. As partidas têm exigido frequentes mudanças na intensidade e na dinâmica dos movimentos, nas quais a força e a velocidade têm tido papel de destaque. Entretanto, devido à longa duração da partida (90’) e dos sucessivos “sprints”, o futebolista também necessita de uma ótima capacidade de resistência.

É importante destacar que os movimentos do futebol são realizados com duração e intensidade variadas, além de serem executados em diferentes momentos da partida. O futebolista poderá ser exigido a executar um “sprint” isolado ou sucessivos “sprints” tanto no início quanto no final da partida e, portanto, o mesmo deverá apresentar ótimo nível de desempenho físico para realizar estas atividades com a mesma qualidade.

Alguns autores têm relatado que os futebolistas de alto rendimento percorrem uma distância de 9 a 12 km durante a partida (Bangsbo, 2006; Barros et al.; 2007) e esta amplitude de variação na distância total percorrida está diretamente relacionada a alguns fatores, tais como: posição tática, estado nutricional, estado de treinamento, importância do jogo, horário e temperatura ambiente, qualidade do gramado, qualidade competitiva do adversário, etc. No entanto, estes dados analisados unicamente não são representativos para um entendimento do nível de rendimento do futebolista e da metodologia de treinamento a ser empregada.

Nesse sentido, temos que buscar informações mais detalhadas das ações motoras que o futebolista realiza durante a partida, como por exemplo, a diferença na distância percorrida, principalmente, em alta velocidade do primeiro para o segundo tempo considerando as posições táticas, a amplitude de velocidade de corrida nos diferentes deslocamentos, a relação com os sistemas energéticos, o número e a duração dos “sprints”, a pausa de recuperação entre os mesmos, a seqüência de ações motoras e sua variação na intensidade etc. Assim, análises mais precisas dos movimentos dos futebolistas impostas durante a partida podem fornecer informações úteis sobre o seu rendimento.

Segundo Reilly, Bangsbo e Franks (2000) os “sprints” realizados durante a partida em uma velocidade de 7-8m/s contribuem por volta de 6-7% e as ações em alta intensidade realizadas em uma velocidade de 4-6m/s correspondem cerca de 15-20% da distância total percorrida. Essas ações, de fato, constituem os momentos mais cruciais da partida e contribuem diretamente nos movimentos de disputas de bola, na execução dos fundamentos técnicos, tais como o chute, nas ações ofensivas e defensivas realizadas em alta velocidade e nos contra-ataques. Logo, pode-se relatar que o futebolista de alto rendimento deve ter como objetivo atingir esses níveis de rendimento, pois isso nos parece indicar certa vantagem durante a competição. Vale salientar, então, que o futebolista terá que realizar certas atividades de alta intensidade em momentos de fadiga, especialmente no final do primeiro e do segundo tempos.

Além dos pontos descritos anteriormente, temos que compreender a respeito da fisiologia do futebol. Penso que o entendimento deste e dos outros pontos já relatados nos fará refletir em relação à metodologia da preparação física. A fisiologia do exercício apresenta três sistemas de energia: ATP-CP ou anaeróbio aláctico, anaeróbio láctico ou glicolítico e aeróbio. Em modalidades de exercício contínuo e cíclico, tais como atletismo, ciclismo, natação, etc., esses sistemas de energia são solicitados predominantemente na mesma sequência descrito anteriormente. No entanto, em modalidades de exercício intermitente e acíclico, como é o futebol, esses sistemas de energia são solicitados em constantes alternâncias e com predominância conforme a intensidade e a duração da atividade e o estado fisiológico momentâneo que o futebolista apresenta, ou seja, a sua capacidade de recuperação e consequente ressíntese de ATP. SPENCER et al. (2005), nos chamam a atenção para compreender a contribuição dos sistemas de energia na realização do “sprint” e dos sucessivos “sprints” no futebol.

Em um “sprint” de até 6/8s o sistema ATP-CP é predominante, mas com a execução de vários “sprints” ao longo da partida os outros dois sistemas energéticos terão maior participação. Os dados nos remetem que durante a partida o futebolista será solicitado a realizar por volta de 120 atividades de alta intensidade com duração de até 7s sendo que na maioria das vezes as pausas de recuperação serão de curta duração (COMETTI, 2007). Portanto, após a realização de algumas destas atividades, a predominância será do sistema glicolítico com uma participação ainda maior do sistema aeróbio em relação às primeiras atividades de alta intensidade.

Para explicar melhor, após a realização de alguns “sprints” e, por exemplo, com recuperação de até 90s, o futebolista não terá uma recuperação completa atingindo assim um estado de fadiga aguda e, portanto, se o mesmo for solicitado a realizar uma nova ação de alta intensidade, ele poderá ter dificuldades para manter a qualidade de movimento. Considerando que estes momentos irão se repetir durante a partida, nos parece interessante organizar um programa adequado de treinamento que acentue a resistência à fadiga por meio da utilização de exercícios que produzem efeitos (adaptações) na força, na velocidade e na resistência.

Considerando as informações relatadas anteriormente, verifica-se a necessidade da utilização de uma metodologia que atenda às exigências específicas do futebol. Assim, sugerem-se os meios combinados de treinamento com duas ou três capacidades motoras em uma mesma sessão. Essa forma de organização do treinamento consiste em alternar as ações motoras cíclicas, acíclicas e combinadas, os exercícios com ou sem sobrecarga, a velocidade de deslocamento e conseqüentemente o sistema energético predominante.

Vale salientar que em um raciocínio de progressão de carga, primeiro prescrevem-se as sessões com duas para posteriormente utilizar as sessões com três capacidades motoras.

Esse modelo de organização da carga pode ser realizado de duas formas:

1) Em circuito: organize um determinado volume de exercícios voltado para o treinamento da velocidade (estação 1); após, realize um determinado volume de exercícios de força (estação 2); e posteriormente um determinado volume de exercícios de resistência (estação 3), permitindo sempre um intervalo de recuperação mais longo após o treinamento de cada capacidade motora.

2) Circuito em sequência: organize de forma idêntica à anterior, porém, a execução será em sequência, ou seja, realize uma ou mais repetições de velocidade (estação 1), seguido de uma ou mais repetições de exercícios de força (estação 2), seguido de uma ou mais repetições de exercícios de resistência (estação 3) e repita esse ciclo novamente. O controle da carga de treinamento pode ser feito pelo número de repetições ou por tempo em cada estação.

O quadro abaixo traz algumas sugestões da combinação de cargas de diferentes capacidades motoras. Cabe ressaltar que o preparador físico pode organizar as cargas com predominância de uma capacidade motora, sendo que a(s) outra(s) serão complementares.

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