quarta-feira, 26 de maio de 2010

Universidade do Futebol – Como se dá a interação entre a preparação física – o Cruzeiro conta com outros dois profissionais dessa área (José Mário Campeiz e Quintiliano Lemos) – e comissão técnica, departamentos médico e de fisiologia, e com o próprio trabalho realizado nas categorias de base, local onde o Cruzeiro tradicionalmente colhe bons frutos?

Francisco Ferreira – O trabalho no Cruzeiro é integrado. Não existe melindre entre os departamentos e, assim, temos liberdade para opinar, debater, enfim, expressar nossos pontos de vista em busca de soluções que tragam benefícios para o clube.

O Zé Mário e Quintiliano são profissionais do mais alto gabarito. Estamos sempre buscando nos atualizar, sempre antenados no que há de mais moderno. Trabalhamos de modo inter, multi e transdiciplinar. Nosso ambiente é muito bom e temos ótimo relacionamento com todos os setores.

As categorias de base, que já eram referência, darão um salto enorme em breve. Temos profissionais capacitados desenvolvendo projetos importantes e pioneiros na área do futebol. Cito: Eduardo Pimenta, Alexandre Barroso, Daniel Coelho, Roger Galvão, dentre outros.

Universidade do Futebol – O senhor atua há mais de uma década no Cruzeiro. Como avalia a evolução do departamento de futebol do clube mineiro e quais são os benefícios e os pontos negativos de se manter ligado a apenas uma instituição durante tanto tempo? Considera interessante o profissional responsável pelo condicionamento dos atletas acompanhar o treinador ou pensa que ele deveria ficar mesmo atrelado à agremiação?

Francisco Ferreira – O Cruzeiro, que há muito prima pela organização, está sempre buscando inovações em todos os setores, seja na parte administrativa, ou na técnica. O grande responsável por essa modernização é o professor Emerson Silami, fisiologista que veio para o clube em 1990.

Desde então, o Cruzeiro tem promovido o envolvimento com a comunidade acadêmica e conseguido o retorno em conhecimento científico. Somos um grande campo para a pesquisa científica.

Quanto ao fato de permanecer muito tempo num mesmo clube, penso que há como desvantagens o fato de não se conseguir uma projeção maior, o que reflete em menor retorno financeiro e menores possibilidades de se alçar novos voos; como vantagens, há certa estabilidade e um envolvimento e identificação maior com o clube, além de uma maior facilidade de aplicação dos métodos de treinamento.

Posso dizer que o Cruzeiro foi uma grande escola no sentido de ter permitido a convivência com vários treinadores e preparadores físicos de renome e também a possibilidade de perceber na prática, ao longo desses anos, aquilo que é viável ou não, o que dá certo e o que não dá, de acordo com a cultura do futebol que envolve calendários, grupo heterogêneo de atletas, diferentes escolas, diferenças culturais, aplicabilidade e o casamento entre teoria e prática.

Dentre os preparadores físicos, cito alguns com quem trabalhei e trabalho como sendo dos melhores: José Mário Campeiz, Quintiliano Lemos, Antônio Mello e Gilvan Santos.

Sobre a segunda questão, acredito ser um tendência a efetivação das figuras do preparador físico, do treinador de goleiros, etc., assim como já acontece no São Paulo, por exemplo. Esse tipo de filosofia possibilita a aplicação de trabalhos de médio e longo prazo, permite a padronização do trabalho, uma vez que, não havendo a troca constante do preparador físico chefe, a filosofia/metodologia também não muda.





Universidade do Futebol – Qual a fronteira entre a participação do preparador físico no amparo psicológico aos atletas, e o trabalho propriamente dito de um profissional específico da área? Você aborda conceitos de auto-ajuda e neurolinguística no trabalho diário do Cruzeiro?

Francisco Ferreira – Todo profissional do esporte deve ter um pouco de psicólogo. É importante ter feeling para perceber o emocional do grupo de atletas, afinal, jogador de futebol também é gente: se apaixona, fica deprimido, tem problemas de família, etc. Após detectarmos que há alguma coisa afetando o emocional do atleta, chamamos o psicólogo e falamos do caso para que ele faça a abordagem adequada.

Estamos o tempo todo buscando elevar o ânimo dos atletas com palavras de ordem, de comando, de incentivo, de reforço positivo. Outra abordagem muito importante é no campo espiritual, por esta razão acho o trabalho desenvolvido por Atletas de Cristo, por exemplo, muito importante.

Universidade do Futebol – A adaptação fisiológica que o atleta vai ter será específica da posição, ou a própria característica do jogador para o modelo de jogo do treinador o levará a essas particularidades? E como as capacidades do atleta, de uma forma geral, serão relacionadas à forma coletiva, na aplicação do futebol “formal”?

Francisco Ferreira – Há uma seleção natural desde o início, quando o garoto vai fazer testes no clube. Dentro desse processo, há inúmeras variáveis e a história de cada um tem suas peculiaridades. A quase totalidade dos atletas, exceção dos goleiros, claro, muda de posição desde a base até se chegar ao profissional. As adaptações irão ocorrer naturalmente.

Um exemplo interessante que temos notado aqui no Cruzeiro é o perfil cardiorrespiratório dos atletas: se até a década de 1990 os atletas, ao realizarem os testes de lactato e limiar anaeróbio, por exemplo, apresentavam características mais “aeróbias”, com uma velocidade de limiar mais alta, menor FC (frequência cardíaca), sugerindo características mais próximas de um meio fundista: coração grande, predominância de fibras oxidativas, etc. Hoje, percebemos um perfil mais “anaeróbio”, mais velocista, de acordo com as características do futebol atual.

Como a velocidade depende exclusivamente da genética, acredito que a seleção natural está sendo em função dessa valência específica desde a base, ou seja, o jogador lento não terá muitas oportunidades.

É consenso que uma das qualidades de um bom treinador é explorar as melhores características individuais do atleta em prol do coletivo, e não o contrário, tentando adaptar a todo custo o atleta àquilo que o treinador possa exigir de maneira inflexível. Não dá para violentar as características individuais, pois ninguém consegue fazer aquilo para o que não está apto.

Exceção à regra seria o caso de um atleta realmente fora de série, capaz de decidir em lances geniais o resultado das partidas. Nesse caso, o coerente seria criar uma organização de jogo em função desse talento.

Universidade do Futebol – Qual a funcionalidade prática do scout técnico para o desenvolvimento do seu trabalho de campo com os atletas do Cruzeiro?

Francisco Ferreira – Penso que as análises estatísticas são importantes como feedback para o treinamento físico e técnico na medida em que nos fornecem, por exemplo, o número de tiros em suas respectivas distâncias, de saltos, giros, combates individuais, de chutes, cabeceios, etc.

Devemos elaborar o treinamento de acordo com a realidade da prática, senão vejamos: a maioria dos tiros dentro de uma partida de futebol acontecem em distâncias de até 15 metros. Por que dar treinos com tiros de 50 ou 100 metros, então?

Outro exemplo: se o atacante, atleta que mais chuta durante o jogo, realiza em torno de 10 a 12 finalizações, porque dar treinos de finalização com 30, 40 chutes e, ainda por cima, para todos os atletas indistintamente, sem levar em conta a posição?


O que é velocidade no futebol?

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